Síndrome Antifosfolípide: a gestante e o reumatologista - Dra. Rebeka Paulo

Síndrome Antifosfolípide: a gestante e o reumatologista

No início dos anos 80, pacientes com diagnóstico de lúpus que apresentavam tromboses, abortamentos de repetição e AVCs foram estudados e, assim, identificou-se um grupo de anticorpos dirigidos contra fosfolipídeos (aPL), que estava relacionado a estes acontecimentos. O estudo desses pacientes deu origem à Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo (SAF).

Doenças Imagem Antifosfolípide

Atualmente, a SAF é clinicamente definida por tromboses recorrentes, arteriais ou venosas, perdas fetais de repetição e; laboratorialmente pela presença de anticorpos antifosfolipídeos (aPL), a saber: anticardiolipina (aCL), anti-beta2 glicoproteína1 (B2GP1) e o Lúpus Anticoagulante (LAC).

Existem três acontecimentos associados com os aPL e que servem como marcadores para a SAF:

  • 1) Anticoagulante lúpico: O LAC pode causar equívoco, pois apesar de prolongar testes de coagulação in vitro (“ação anticoagulante”), sua presença in vivo é associada a um efeito pró coagulante. A detecção do LAC é feita através de testes da coagulação. É um teste de difícil realização que se baseia na detecção de um prolongamento no tempo de coagulação, ocasionado pela presença de um anticorpo inibitório.
  • 2) VDRL falso positivo ou provas biológicas falso positivas para sífilis: O VDRL (Venereal Disease Research Laboratory) e RPR (reagina plasmática rápida) são ensaios biológicos que utilizam um extrato que contém cardiolipina, fosfatidilcolina e colesterol. Na SAF, pode-se observar este teste com resultado falso positivo, ou seja, VDRL ou RPR positivos, acompanhados por um teste de FTA-ABS ou teste de imobilização do treponema negativos.
  • 3) Anticorpos anticardiolipina e contra outros fosfolipídeos: De forma geral, os pacientes com manifestações clínicas de SAF têm anticorpos anticardiolipina do tipo IgG em títulos altos e mantidos ao longo do tempo. Os aCL e anti-b2GPI designam anticorpos que reagem positivamente em ensaios contendo como antígeno a cardiolipina. Sinais e sintomas:

Trombose

As tromboses tendem a acometer, principalmente, as veias dos membros inferiores e as artérias cerebrais; no entanto, qualquer local pode ser acometido, como vasos do coração, fígado, rim e retina. A trombose venosa profunda (TVP) em membros inferiores é a manifestação mais comum da SAF e pode ser complicada por embolia pulmonar. Pode surgir no pós-parto, após repouso extenso ou pelo uso de estrógenos em mulheres.

Perdas fetais de repetição

Existe uma estreita relação entre a presença de aPL, LAC e aCL com abortos espontâneos. Altos títulos de aCL estão associados a um maior risco de perdas fetais, que são mais frequentes no primeiro e segundo trimestre da gravidez. A perda aparentemente ocorre por insuficiência placentária e tendem a ser recorrentes. Sabe-se que o risco desse evento obstétrico ocorrer, em pacientes com SAF não tratadas durante a gravidez, está em torno de 80%.

Plaquetopenia

Apesar de não fazer parte do critério de classificação, o achado de plaquetas abaixo da normalidade pode ser a única manifestação da SAF e, algumas vezes, requer tratamento. A plaquetopenia geralmente é leve a moderada, com contagem de plaquetas acima de 50.000 e normofuncionantes.

Livedo reticular

Trata-se de uma lesão de pele com aspecto marmóreo, principalmente em membros inferiores e antebraços. Em alguns trabalhos foi relacionado a uma maior incidência de doença trombótica arterial e pré-eclâmpsia.

Outras manifestações

Coréia não reumática, lesões em válvulas cardíacas, úlceras nas pernas, dor de cabeça e doenças neurológicas como a mielopatia transversa.

Diagnóstico:

Critérios Clínicos

  • 1. Trombose Vascular:
    Um ou mais episódios de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos em qualquer órgão ou tecido, confirmados por achados de exames de imagem ou biópsia, que deve excluir vasculite.
  • 2. Morbidade Gestacional:
    (a) Uma ou mais mortes de feto normal com mais de 10 semanas de gestação, com morfologia fetal normal detectada por ultrassonografia ou exame direto do feto;
    (b) Um ou mais nascimentos prematuros de feto morfologicamente normal com 34 semanas ou menos em virtude eclâmpsia ou pré-eclâmpsia grave ou insuficiência placentária;
    (c) Três ou mais abortamentos espontâneos antes de 10 semanas de gestação excluindo mal-formações do feto, além de causas cromossomiais maternas ou paternas.

Critérios Laboratoriais

  • 1. Lúpus Anticoagulante presente no exame de sangue em duas ou mais ocasiões com intervalo de no mínimo 12 semanas, detectado de acordo com as recomendações da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia.
  • 2. Anticorpo anticardiolipina IgG e/ou IgM em títulos moderados a altos (>40 GPL ou MPL) em duas ou mais ocasiões, com intervalo de no mínimo 12 semanas. O teste deve ser ELISA padronizado.
  • 3. Anticorpo anti-2 GPI IgG ou IgM detectado no exame de sangue em duas ou mais ocasiões, com intervalo de no mínimo 12 semanas. O teste deve ser ELISA padronizado.

Tratamento:

Os pacientes com diagnóstico de SAF ou aqueles que possuem apenas os exames positivos, sem manifestações clínicas, devem ser orientados quanto ao controle de fatores de risco conhecidos para trombose, como: obesidade, diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial e tabagismo.

É recomendado, também, que esses pacientes evitem o sedentarismo. Vale ressaltar que em todas as mulheres com aPL positivo, independente da presença de trombose, é veementemente contra-indicado o uso de anticoncepcionais combinados ou terapia de reposição hormonal.

É consenso que as tromboses arteriais ou venosas serão tratadas com anticoagulante, como a Varfarina ou heparinas não fracionada e de baixo peso molecular. O tratamento é feito pela vida toda e o alvo terapêutico é determinado pelo resultado de um exame de coagulação – o INR. O INR deverá estar entre 2-3 para pacientes que tiveram trombose venosa e entre 3-4 para tromboses arteriais.

Segundo a demonstração de dois estudos prospectivos, a prevenção de abortamentos nas pacientes portadoras de SAF é feita com heparina associada ao AAS infantil. Entretanto, somente a heparina não fracionada ou de baixo peso molecular têm sido utilizadas no tratamento de gestantes nos EUA e na Europa, devido ao risco de má-formação fetal pela varfarina. Em contrapartida, no Brasil, assim como em outros países, a conversão para varfarina após o primeiro trimestre de gestação é feita de maneira aceitável.

Fonte: Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR)